Governar com um núcleo duro de dois ou três secretários não concordo, diz Nazal

José Nazal
Maurício Maron

Vice-prefeito de Ilhéus, José Nazal é uma espécie de ombudsman da administração municipal. Faz críticas à própria gestão, não poupa integrantes do governo e assegura que apesar de ainda debater e participar do dia-a-dia da Prefeitura, está rompido politicamente com o prefeito Mário Alexandre. Diz mais: numa eventual composição para 2020, nem ele quer ser vice de Mário e nem Mário quer tê-lo como vice.

Próximo aos 64 anos, destes 41 dedicados à vida pública, Nazal divide opiniões no Centro Administrativo. Ele fala que a sinceridade é o princípio da transparência do homem público e que não tem medo de dizer o que pensa sobre a cidade, os seus moradores e os próprios colegas de governo. É ácido quando se refere ao que considera "uma grande quantidade de gente de fora" no governo. Define esse núcleo como sendo totalmente sem compromisso com a cidade.

Nesta entrevista exclusiva concedida ao JBO, Nazal também fala sobre a polêmica dos marcos divisórios entre Ilhéus e Itabuna e, claramente, fala sobre 2020, colocando-se como possibilidade real para a sucessão do prefeito Mário Alexandre. Uma entrevista que vale a pena ser lida. Nos mínimos detalhes.

Vou começar com uma provocação. Se eu for hoje fazer compras no Supermercado Makro, continuarei em Ilhéus ou estarei indo a Itabuna (esta semana foi reiniciada uma antiga discussão sobre se aquela área estaria em território de Ilhéus ou de Itabuna)?

Você continua em Ilhéus. Lei Estadual 12.638. Já estou com as respostas do coordenador estadual do IBGE na Bahia e do diretor de Informações Geoambientais da Seplan (Secretaria Estadual de Planejamento) que me asseguram isso.

A Prefeitura de Itabuna alega ter um documento que contraria esta sua informação.

Nesta terça (27) vai ter uma Sessão na Câmara (de Vereadores de Ilhéus) e eu vou levar a documentação que tenho. Eu é que gostaria de saber que documento é este que eles afirmam ter por que, uma lei, pelo que me conste, só pode ser alterada por outra lei. A competência de legislar sobre limites intermunicipais de cada estado cabe ao estado e os municípios definem seus limites internos.

Então como se explicar este novo alvoroço...

... Não há motivo para alvoroço. A Lei 12.057, de 2011, autorizou a SEI (Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia) numa ação conjunta do IBGE a fazer a alteração de limites de 27 territórios do estado da Bahia. Faltam apenas dois ou três territórios decorrentes de ações interpostas antes da lei, como, por exemplo, Salvador e Lauro de Freitas, por que existem questionamentos com relação ao aeroporto, estação de metrô, essas coisas divulgadas na mídia. Aqui no Território Litoral Sul, do dia 1º a 15 de fevereiro de 2012, foi feito o levantamento de todos os municípios, com o acompanhamento integrado, e a Lei foi aprovada na Assembl[eia (Legislativa da Bahia), em 26 de dezembro de 2012, sancionada pelo então governador Jaques Wagner em 10 de janeiro de 2013. É o que vigora.

E o que define esta lei?

Os limites. No município de Ilhéus nós solicitamos o acompanhamento da SEI e do IBGE para identificação e colocação dos marcos provisórios e assim foi feito, na primeira quinzena do mês de junho deste ano. Nós enviamos ofício para os oitos municípios que fazem limite com Ilhéus e apenas Uruçuca mandou uma pessoa para acompanhar a identificação dos marcos e a delimitação. Os outros sequer deram resposta. Nós respeitamos a lei. Trata-se de um ponto geodésico, físico, materializável e assim fizemos. A lei está valendo. Se tem algum documento que altera a lei, este documento precisa ser apresentado.

Como você vê o renascimento desta “briga” entre Ilhéus e Itabuna.

É medíocre. Aliás, pior: é uma sandice (qualidade ou caráter de quem age ou fala como um tolo ou como um simplório). Hoje o limite entre Ilhéus e Itabuna é definido de uma forma física e materializada. O rio não mudou de lugar.

Através das redes sociais você demonstrou indignação com esta informação. Mas percebemos que também houve reações irônicas à sua preocupação, com algumas pessoas acusando o senhor de ter defendido os interesses territoriais de Uruçuca quando secretário de lá, prejudicando Ilhéus...

... Absolutamente natural a pessoa fazer crítica. Agora é preciso se fundamentar num fato verdadeiro. Primeiro: eu citei aqui os anos de 2011 e 2012... eu fui secretário em 2013, tinha dez dias de sancionada a lei quando assumi a função. Claro que neste período eu trabalhei respeitando os interesses de Uruçuca e reclamava direto. Por exemplo: eu reclamei em Uruçuca, as ações que a Prefeitura de lá executava em Ilhéus.. Eu via fazer e dizia: isso é improbidade. Dizia abertamente. Tem gente dizendo nas redes sociais que eu entreguei área de Ilhéus. Eu não entreguei nada. Defendi como se fosse minha, defendi o que era do povo de Ilhéus.

E o que o povo de Ilhéus, residentes nestas áreas de “conflito político”, reagia como?

Existe uma parcela do território de Ilhéus que é comandada por Uruçuca, Itabuna, Coaraci e Itajuípe. Eu levo você lá agora e você pergunta quem é o prefeito de Ilhéus, quem é o vice-prefeito, pra dizerem o nome de um vereador de Ilhéus... e ninguém vai saber dizer.

Falta o que então?

Ação do governo de Ilhéus. E não é só de Mário não. Nem Jabes, nem Antônio Olímpio, nem João Lyrio. Isso é coisa de 50 anos de abandono. Não tem ação nenhuma nestas áreas. Então as pessoas que lá moram, quiseram mudar esta história. A lei diz isso. O entendimento da ALBa e as normas que foram estabelecidas apontavam para esta vontade popular.

Abandonados...

... Vou desmitificar uma mentira que tem ganho as redes sociais. Eu tenho que ter a grandeza de desmistificar isso. Tenho lido e ouvido que Jabes (Ribeiro, ex-prefeito de Ilhéus) entregou Serra Grande, que era de Ilhéus, a Uruçuca. No dia que Serra Grande passou a ser de Uruçuca, em 12 de dezembro de 1952, Jabes tinha nove meses de nascido. Ele nasceu em 14 de março de 1952. Não estou defendendo Jabes, estou defendendo a verdade. Como também é verdade que eu não entreguei território nenhum de Ilhéus a Uruçuca.

Loucura isso.

Uma vez, alguns anos atrás, estava almoçando com o atual prefeito de Uruçuca, Moacyr Leite, quando ouvi um rapaz dizer a ele: “já mandei a máquina para Tibina (localidade em território ilheense) para passar na estrada”. Eu disse: não vai. A estrada pertence a Ilhéus. Eu não deixei ir. Ele queria Banco do Pedro, eu não deixei ir. Mas eu tive que ceder onde as pessoas não queriam mais ser de Ilhéus. Eu fui numa fazenda chamada Porto Seguro. Tinha uma senhora e o encarregado do IBGE perguntou que lugar era aquele. Ela respondeu: Ilhéus. Aí ele perguntou se ela achava que ali deveria pertencer a Ilhéus ou Uruçuca. Ela respondeu: Uruçuca. Porque, perguntou o técnico. E ela completou: tem 22 anos que “fui” a Ilhéus. Quando minha mãe morreu. O Bolsa Família dela era de Uruçuca, os filhos estudavam numa escola de Uruçuca, o transporte escolar era da Prefeitura de Uruçuca, a vacinação que passava na localidade era de Uruçuca, quem arrumava a estrada era Uruçuca, o voto também era em Uruçuca, o banco onde sacava dinheiro era em Uruçuca. Ela dizia: o que quero em Ilhéus? Isso se repetiu em diversas ocasiões neste entorno esquecido por nós.

Isso é preocupante.

Se continuar como está, um governo sem ação nestas localidades, vamos ter no futuro problemas semelhantes a estes. Isso é preocupante. Tem ilheeense que não se sente em Ilhéus. Recentemente vi uma postagem de uma professora de Inema nas redes sociais em que ela trazia os alunos para percorrer o Centro Histórico de Ilhéus e dizia que a proposta era levar um pouco de pertencimento a eles. Para eles se sentirem ilheenses. Os prefeitos de Ilhéus, sem exceção, e os vices também, para não dizer que sou bacana, só vão a Inema, Banco Central, os lugares mais distantes, em festa de padroeiro ou algum evento que tenha rendimento político. Assistência sistemática... sem alarde, ninguém faz.

Você é um estudioso, inclusive com levantamento estatístico, dos resultados eleitorais de Ilhéus. Eu não quero análise de números. Quero uma análise política do que foi esta última eleição em Ilhéus.

A gente teve um recadastramento eleitoral que trouxe de volta a realidade do número de eleitores do município. Trata-se, entretanto, de uma realidade próxima. Não é uma realidade absoluta. Por exemplo: Inema tinha 1.638 eleitores. Passou a ter 655. Cinquena e cinco por cento dos eleitores não se recadastraram. Não quiseram e se omitiram ou se recadastraram noutro município. Em Coaraci e Itajuípe, com certeza. São os que ficam mais próximos desta nossa localidade. Vamos lá: Banco Central. Perdeu muito. Banco do Pedro, idem. Castelo Novo... Nestes três casos, a maioria foi pra Uruçuca. Japu, Cerrado, também perderam para Itabuna. Você teve uma queda na abstenção, por que agora é um número próximo do real, mas provou que não é apenas o candidato forte, que está com a “máquina” (estrutura de poder), que tem dinheiro, que pode ter uma ação política de chegar até o eleitor. E aí você teve uma situação que assusta. Mais de 400 candidatos a deputado estadual e mais de 300 candidatos a federal votados no município. Isso dá um medo grande e vai se repetir em 2020.

Você tornou público os seus votos?

Sim. Votei nos candidatos da Rede no primeiro turno. Como meu partido tinha apenas um candidato a senador, dei o outro voto a Jorge Viana (PMDB). É meu amigo pessoal e me estimulou a ser vice-prefeito de Ilhéus. Então votei e pedi voto pra ele. No segundo turno, votei em Haddad para presidente, com a consciência tranquila.

A que nível anda a sua relação com o prefeito Mário Alexandre?

Eu me afastei politicamente do governo. Isso aconteceu por que comecei a discordar dos rumos que o governo tomou e tornei isso público. Pessoalmente, fiz uma carta endereçada a ele – que não tornei pública – expondo com mais detalhes as minhas discordâncias. Já tinha dito pessoalmente a ele. Mas fiz uma carta para ficar como registro histórico. Interessante é que as pessoas não entendem isso. Pensam que a separação política é inimizade, briga, xingar, bater... eu não trabalho nessa linha e nem me considero um covarde por esta minha postura. Ao contrário. Seria muito mais fácil brigar, xingar do que ter uma ruptura ética, de respeito, de civilidade. Faço críticas de frente ao governo. Nas poucas rádios que me dão acesso (solta um sorriso), digo publicamente também o que penso. Sei também que tem gente que acha que, por discordar do governo, eu teria que me afastar, renunciar. Isso não. Esse cargo me foi outorgado pelo voto popular. Não é pelo conforto de vice-prefeito mas pelo respeito ao eleitor.

Quem tem conhecimento desta carta?

Eu, Mário e minha mulher. Antes, disse basicamente a mesma coisa a ele. Levei de janeiro a meados de abril pra conversar com ele sozinho. E no dia esperei mais de duas horas por que só queria conversar sozinho. Também não quis conversar noutro lugar que não fosse o gabinete, no Centro Administrativo. Ele me disse que iria mudar. Mas não muda.

Ele te falou mais o que?

Perguntou se eu queria tirar algum secretário. Eu disse a ele: você é o prefeito. É você quem tem a caneta.

E se você tivesse a caneta?

Tirava.

Quais?

Não vou dizer nome para não ser indelicado. Mas garanto que poucos ficariam. Alguns eu confio, eu respeito.

Quais são mesmo as suas principais críticas ao governo?

É preciso governar de forma mais coletiva. Me afastei de Jabes em 2006, por causa disso. Em 2013, quando voltou, continuou agindo e governando da mesma forma: sozinho, com um ou dois secretários. Essa forma de governar, com um núcleo duro de “meia dúzia de dois ou três”, como diz um amigo, eu não concordo. Um governo mais discutido, mais interativo, você acerta mais. E quando erra minimiza o problema por que há o entendimento coletivo de que houve vontade de acertar. O governo está cheio de gente de fora. E digo na cara deles: não tem compromisso com Ilhéus. Os de fora vão embora daqui, depois do mandato, e ninguém nem vai saber onde moram, o que fazem, onde estão. Que razão tem para tirar uma tesoureira que tinha 30 e tantos anos de serviço para botar uma pessoa de Itabuna? Me disseram: para fazer planejamento. De que pelo amor de Deus? Que planejamento é feito?

Nazal como você pode achar absurdo gente de fora ter cargo no governo, se você, de Ilhéus, ocupou um cargo público em outra cidade, em Uruçuca, bem recentemente? Isso não é pequeno demais? Provinciano?

A primeira coisa que fiz quando aceitei o cargo foi estudar Uruçuca. Posso te dizer que conheço aquela cidade como poucos uruçuquenses conhecem. Andei o município todo, de ponta a ponta. Estudei mapas, localidades, comecei a entender o município. Respeitando Uruçuca. Me fiz conhecer. Teve também um fato que me ajudou lá. De ter tido um tio que foi prefeito e vice-prefeito de lá. Muitas pessoas que convivi eu já conhecia desde a minha infância. No caso de Ilhéus, o que falta do povo de fora é o respeito pela cidade. Tem mais coisa que não vou lhe dizer. Mas estou dizendo com convicção o que estou te falando. Tem coisas que a gente tem que engolir.

O que mais te incomoda?

Reclamo de gastos excessivos e descontrolados que o governo está fazendo. O débito é alto desta gestão e somado aos débitos da gestão passada isso faz com quem cada vez mais a situação vá apertando. Chega uma hora que não dá.

Você iniciou esta semana uma série de encontros para debater a cidade... Debater na teoria o que, na prática, como membro influente do governo, você teria que estar resolvendo...

... não fui eu. Foi (Henrique) Abobreira (ativista social em Ilhéus) que teve a ideia e ele colocou o nome “Café com o Vice-Prefeito” e eu até disse, mas Abobreira, parece que sou o epicentro das coisas. O epicentro deve ser Ilhéus. Trata-se da discussão de partidos que se alinham com o pensamento político convergente, mas com visões diferentes, para apresentar alternativas para a cidade. Mas o centro destes encontros é poder dialogar com respeito. Discutir o interesse que é comum. O que falta em Ilhéus, na minha opinião, é seriedade no trato das coisas e colocar Ilhéus como o epicentro das coisas. Pode ser meio pedante. Mas eu penso assim.

Onde estão as falhas no mecanismo do exercício público em Ilhéus?

Os gravetinhos do dia-a-dia as vezes impedem o governo de parar pra pensar. Mas precisa parar um dia, três dias, uma semana para discutir. Isso não é perder tempo. Ao contrário. É se empoderar de informações, documentos, dados e buscar um planejamento que não se permita ser mirabolante. Precisamos concretizar o futuro. Ilhéus tem graves problemas. Tem um plano diretor desatualizado, sobretudo diante das propostas de modais que se apresentam, não tem Plano de Mobilidade Social, Plano de Saneamento Básico, Plano de Segurança, Plano de Resíduos Sólidos... e tudo isso, hoje, é exigência legal para atrair recursos. Ilhéus não tem Plano de Habitação. Precisa rever a forma de ocupação da rede escolar, principalmente no interior. Ilhéus precisa de uma ação de identificação de suas principais estradas, definido o que é estadual e o que é municipal. Promover a Regularização Fundiária. Muita gente aqui é posseiro mas não é dono. Ninguém liga pra isso. Aí tapa um buraco, bate palma. Poda uma árvore, bate palma. Pinta uma escola, bate palma... Ora, isso é obrigação. Faça uma coisa nova.

2020 está na porta. Eleição municipal. Que papel você quer ter neste processo?

Nunca escondi de ninguém que desejei e desejo ser prefeito de Ilhéus. Dizer que sou candidato de qualquer forma seria uma insensatez. Mas se houver a possibilidade, serei candidato, ainda que perca. Perder faz parte do jogo. Eu não admito um prefeito entrar para ser prefeito e no primeiro dia dizer que é candidato a reeleição. Por que não faz nada a não ser pensar na reeleição e só faz besteira. Não estou falando de Mário, não. Estou falando de todos.

E se Mário for, de fato, candidato à reeleição e te convidar para ser vice novamente?

Primeiro ele não vai convidar. Segundo, eu não vou aceitar. (sorrisos)