Crônica de um Colonizador Arrependido, por Júlio Gomes

O olhar que temos das nossas etnias
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Um dia, há muito tempo, nós brancos viemos com nossos navios e armas, e após muito navegarmos descobrimos que havia novos mundos, novas terras, novas plantas e animais, e novas pessoas. Mas não reconhecemos as pessoas como pessoas.

Atados ao orgulho, à ilusão que geramos a partir de nossas roupas e livros, impérios e armas, negamos aos irmãos a condição de irmãos, e mergulhamos nos crimes mais hediondos.

Não vimos no índio, que convivia em paz e na harmonia possível com a natureza, nada além de preguiça e primitivismo. Não percebemos que, ao descansar na rede depois de caçar e pescar, após cumprir as tarefas de cada dia, o índio se permitia gozar da alegria simples do dever cumprido, coisa que até hoje todos nós tanto almejamos.

Não vimos no negro alegre e livre senão um braço a ser escravizado horrorosamente, destruindo sua família, sua cultura e sua liberdade ao ponto destes irmãos não lamentarem mais, após tantos sofrimentos, a perda da própria vida.

Não percebemos nas mulheres negras e índias nada além de objeto de gozo e abuso, negando-lhes estupidamente a condição de pessoas e de mulheres dotadas de dignidade, razão e direito de viver. E o estupro que as infelicitou profundamente até hoje se reflete sobre a sociedade que originamos, em forma de graves desequilíbrios familiares e morais,que mesmo após 400 anos de Colonização ainda reverberam.

Quanto às crianças nativas, simplesmente as massacramos ou ignoramos impiedosamente, abandonando-as a si próprias, como nem mesmo os animais fazem no seio da natureza. Nem sequer àquelas geradas conosco pelas nativas tivemos - em regra quase absoluta - a humanidade de reconhecê-las como legítimos filhos e filhas.

Por que não aprendemos com a alegria simples e natural dos negros? Com a paciência e sentimento de bem-estar com a natureza dos índios?

Por que não fizemos das nativas nossas mulheres para além do sexo? Por que não assumimos e amparamos nossos próprios filhos?

Imprescindível se faz vermos e reconhecermos tudo isto, pois se não mais agimos da mesma forma talvez não seja tanto porque nós nos melhoramos, mas porque a sociedade e as leis do mundo atual não mais o permitem. E só por isso.

Faz-se necessário bom uso da luz da razão e humildade. Amor ao próximo e sabedoria. Sentimento e responsabilidade. Tolerância e respeito. Para que nós - brancos e não brancos, homens e mulheres – não venhamos a cometer os mesmos terríveis crimes, já agora disfarçados sob a roupagem dos dias de hoje.

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O autor Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz. e-mail: juliogomesartigos@gmail.com