O Porto de Ilhéus sempre foi um ´Patinho Feio´para a Codeba, afirma Albagli

Isaac Albagli
Arquivo

A Codeba considera o Porto Internacional de Ilhéus como “patinho feio”. A conclusão é do membro do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Ilhéus e ex-gerente do terminal, Isaac Albagli. Do período em que esteve à frente do equipamento, no fim do governo Temer, e inicio do atual, Albagli levou a impressão de que a estrutura não recebe a atenção devida.

Bem localizado, “no meio do litoral brasileiro”, o porto de Ilhéus poderia escoar toda soja do oeste baiano, a celulose do extremo-sul, o minério de Minas Gerais e de outras regiões, além de receber com conforto os milhares de turistas que passam por aqui todo verão. Sofre, porém, com equipamentos quebrados, número pequeno de funcionários, falta de dragagem do canal de acesso e bacia de evolução com promessas de melhorias que surgem e desaparecem na mesma velocidade.

Albagli foi vereador, secretário municipal em varias gestões e presidente da Bahia Pesca, estatal ligada ao governo do Estado da Bahia.

Confira abaixo a entrevista.

O senhor, em entrevista a uma rádio local passou a informação de que a licença ambiental para dragagem de manutenção do Porto de Ilhéus já teria sido liberada. Mas o serviço não aconteceu. Essa licença já está perdida?

Contextualizando, o porto de Ilhéus, como qualquer porto, depende da atração de cargas para se desenvolver. Para ter trabalho, gerar renda, desenvolvimento, ele é dependente de cargas. E, para isso, é preciso que os navios tenham acessibilidade, ou seja, é fundamental a dragagem do canal de acesso e bacia de evolução. Vocês devem estar cansados de ouvir, em toda visita que um presidente da Codeba faz a Ilhéus, anunciam de que vai haver dragagem, mas que nunca se concretiza. Por que isso? Porque consideravam - digo no passado, pois hoje há uma gestão técnica, com olhar diferente - o Porto de Ilhéus como “patinho feio” da Codeba. A atenção se resumia aos portos de Salvador e Aratú, em Candeias. Quando fui nomeado gerente do porto, mesmo que por pouco período, afirmei que me dedicaria o tempo que fosse, e foi somente 21 dias, para conhecer o funcionamento do porto e mapear suas deficiências, o que pouca gente em Ilhéus conhece.

É preciso mesmo estar lá dentro pra saber?

Só quem conhece é quem está lá dentro, quem trabalha, quem é expert no assunto. Fora disso, ninguém sabe. Eu não vou chamar de caixa preta, porque não é proposital. Isso ocorre porque é um assunto complexo e quem está lá dentro tem seus interesses naturais e acaba cruzando os braços e deixando a coisa fluir. Então, como está, está bom. Mas a verdade é que o Porto de Ilhéus pode, sim, crescer muito e voltar à pujança que foi no passado.

De onde vem essa convicção?

Nosso porto é muito bem localizado, está no centro do litoral brasileiro. Pode atrair, por exemplo, cargas que vêm do norte de Minas, do Tocantins, o minério, o próprio eucalipto do extremo sul da Bahia, a soja, que foi desviada pra Salvador. Esse caso da soja que vem da região Oeste da Bahia até Ilhéus é emblemático. O porto de Ilhéus é muito mais perto do que para Salvador, o que reduziria custo do frete. Porém, nosso equipamento não dá condição. Só exportam a soja por aqui quando há problema em Salvador. Aí chegam alguns caminhões, causam tumulto na cidade e depois somem, não é um embarque permanente. Então, é importante atrair carga permanente, mas sem dragagem não é possível, porque o canal de acesso só tem homologado 8,30 metros de calado. No meio do canal tem 9,00 metros, mas nas laterais o calado é menor. Há dois tipos de dragagem, a de manutenção e de aprofundamento.  Esta seria a ideal, mas custa muito mais caro e depende do Plano Nacional de Dragagem, uma coisa que vem lá do Ministério da Infraestrutura e gira em torno de 90, 100 milhões de reais. Mas a dragagem de manutenção é barata, relativamente, para os padrões da Codeba, girando em torno de 5 milhões.

O senhor ainda não respondeu sobre a Licença Ambientral...

... respondendo a sua pergunta, a respeito da Licença Ambiental para essa dragagem de manutenção, que anunciam todo ano, ela foi concedida em 2013 pelo Ibama. Mas, de lá pra cá, não fizeram o serviço, lá se vão seis anos. Falta saber se a licença foi perdida ou renovada, já que tinha validade de dois anos. Se prorrogaram, menos mal, mas é possível que tenham perdido essa oportunidade. E conseguir uma licença ambiental no Ibama é um verdadeiro parto. Então, é um descaso com nosso porto. Em junho do ano passado, Ilhéus conseguiu a Licença de Operação e para funcionar o porto, pra ter essa licença, precisa da dragagem. É obrigação, é condicionante. Agora saiu a notícia de que o Porto de Ilhéus terá a dragagem de aprofundamento, um investimento de 90 milhões de reais. Mas anote essa data e vamos conversar daqui a um ano.

Esse anúncio de dragagem já foi feito várias vezes.

Sim, várias vezes. Já perdi a conta das vezes que ouvimos o anúncio de que a dragagem iria começar.

O senhor colocou que esporadicamente há embarque da soja, que em princípio sairia por Salvador, sendo feito aqui. Então, o nosso porto tem capacidade para tal operação. Seria essa preferência pela capital um interesse de grupos econômicos, ou a tarifa cobrada lá é mais competitiva que aqui?

Olha, as tarifas são competitivas de um porto para outro. Evidente que, como o porto em que está sendo feito o embarque é privado, lá no Moinho Dias Branco, em Salvador, certamente tem algum interesse privado no meio. Mas eles alegam sempre a falta de estrutura do porto de Ilhéus. O tombador não funciona a contento, precisa de manutenção, assim como o guindaste. Até foi iniciada a manutenção, feita por funcionários da Codeba, mas que não conseguem ainda dar conta daquela estrutura enorme. Precisa de pessoal na guarda portuária, são somente 15 guardas hoje na ativa, que carece de treinamento, capacitação em defesa pessoal, primeiros socorros, legislação, etc. Até o pórtico de entrada precisa de manutenção, pois vai acabar caindo e pode causar um acidente com um funcionário, machucar um turista. Ninguém da sede da Codeba observa isso, apesar dos alertas. A equipe da Codeba em Ilhéus é excelente. Servidores abnegados como Adelísio, Astor, China, Gildásio, Gilson, Bacil, Bode, Aquino e tantos outros, são apaixonados pelo porto e certamente sentem o descaso, embora nada possam fazer. Chegamos ao ponto de perdermos os práticos do porto, hoje vinculados a Salvador. Se eles ficassem vinculados a Ilhéus, correriam o risco de terem suas credenciais cassadas por falta de “horas de praticagem”. Essa foi a informação passada. Você vê o moinho, que já era pra estar em funcionamento. Fizeram uma licitação e colocaram o preço por metro quadrado com um valor absurdo, altíssimo, parecendo que foi feito pra inviabilizar o retorno das atividades. Então nós vamos ficar sujeitos a isso a vida toda?

Sem chance de mudar essa realidade?

Bom, houve, agora, uma troca no comando da Codeba. Entrou um técnico do Ministério da Infraestrutura, o doutor José Alfredo Albuquerque. Então eu creio que as coisas vão mudar, pois não haverá nenhum interesse político em jogo.  Eu fui convidado por deputado do meu partido para ocupar uma diretoria da Codeba, há um mês, mas respondi que não tinha coragem, pois falta segurança, estabilidade. Olha o caso da ex-prefeita e ex-presidente da UPB, Maria Quitéria, que assumiu o cargo de gerente de assuntos estratégicos na Codeba, já agora no Governo Bolsonaro e passou poucos dias no cargo. Então, entrar pra sair de novo? Deixa eu quieto aqui no meu canto... (risos)

O que mais te leva a achar que o Porto de Ilhéus é relegado a um segundo plano?

O descaso é visível. Todos os servidores do porto sabem da situação. São questões estruturais e outras de pequena monta. Veja um exemplo. O navio MSC SeaView, aportou primeira vez em Ilhéus, o maior a navegar pela costa brasileira. E quando é a primeira vez, há um coquetel, cerimonia, troca de placas e tal com a presença das autoridades locais, imprensa, etc. Veja bem. Eu já tinha tomado posse, mas meu nome não estava na lista dos convidados, porque isso passava pela chefe de gabinete do presidente, em Salvador, Suelene Silva. Mostrei a ela que não era de bom tom o gerente do porto não se fazer presente na solenidade. Não que eu estivesse preocupado com o evento em si, não tenho mais idade para isso, mas por questão de representatividade eu teria que estar presente. A Sra. Suelene disse que a lista “estava fechada”, e que não iria colocar meu nome. Argumentei que a tal lista continha mais de 70 nomes, e muitos faltariam, como de fato ocorreu. E sabe por que ela criou essa dificuldade? Foi ela que veio de Salvador para representar a Codeba no evento. Então, é esse o tratamento que dão a Ilhéus. Isso exemplifica bem como as coisas estavam.

O senhor ficou apenas 21 dias como gerente. Não se sentiu injustiçado?

De maneira alguma. Eu, abertamente, não votei em Bolsonaro. Então considerei normal minha saída. Podia ter ficado? Sim, pois embora não tenha votado no atual presidente, não sou daqueles que torcem para as coisas darem errado. E para Ilhéus, tenho certeza de que seria positiva a minha presença. Não deu, paciência. Olha, eu afirmei, em uma entrevista em rádio, quando assumi, que, ficasse o tempo que fosse, eu não seria um carimbador de papel. Não faz meu perfil. Eu iria correr atrás de investimentos, da nova licitação do moinho, da retroárea do porto, uma área nobre, que necessita apenas de um simples aterro. Se uma empresa quiser se instalar no porto, hoje não tem espaço. Sem contar o terminal turístico, que se discute há anos. E olha que a vocação turística de Ilhéus é inegável e não demandaria muito investimento. Sabe o que estão fazendo? Acredite. Querem construir o Terminal Turístico atrás da guarita, onde não tem acesso pra ônibus, um lugar escondido, sem espaço. Isso porque uma empresa, que administra o Terminal Turístico do porto de Salvador, quem decidiu. Nós temos uma área nobre, ali atrás da Concha Acústica que já pertence à Codeba. Daria um terminal decente, à altura, com amplos estacionamentos para ônibus, táxis, vans. A gerente, minha antecessora, nem teve voz nessa questão, coitada. Eu ia gritar, não ia deixar fazer, ia lutar para fazer no local e da forma correta. Outro assunto que você pode ver que o descaso é tão grande, que a Codeba nunca se preocupou em viabilizar uma área de apoio para os caminhoneiros, fora do perímetro urbano. A prefeitura, na época que Jabes era prefeito, é que teve a iniciativa de construir o Porto Seco para dar esse suporte. Hoje está abandonado, mas a prefeitura fez o que deveria ser feito pela Codeba. O espaço está lá, o imóvel é da prefeitura. A Codeba nunca se envolveu nisso. Historicamente cruzando os braços quando o assunto é Porto de Ilhéus.

Para finalizar, o senhor crê num futuro melhor para o Porto de Ilhéus?

Sim, creio, pois a atual diretoria é basicamente técnica. Vai olhar o Porto de Ilhéus como um equipamento viável e certamente se empenhará em dirigir os investimentos necessários para o porto voltar a ser o que já foi no passado. O presidente José Alfredo tem grande experiência na área portuária, inclusive na Codesp em São Paulo. O Chefe de Gabinete, José Cassiano, tem larga experiência na área de transporte, pois ocupou vários cargos na Infraero. O diretor de negócios, Fábio Freitas também é oriundo do Ministério da Infraestrutura em Brasília. Portanto uma equipe com perfil unicamente técnico. Tem tudo para dar certo.