Um canto que é pranto meu!

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

Entoo um canto que é pranto meu.

Retorno à minha aldeia, à labuta diária e permaneço na incompreensão para o que nela acontece.

Fecho os olhos, estimulo a memória e relembro pouco tempo passado, dos tantos gritos de revolta, desencantamentos e pedidos de socorro de tantos  habitantes  que aqui moram e pediam nomes que poderiam voltar ou nomes que poderiam (re) inovar...

Gritos de urgentes desejos de mudanças, de  bem-quereres ressurgidos, de esperança nos sorrisos, nos olhares, nas vontades.

Sento num banco da praça que continua sendo desrespeitada por quem por ela passa, porque o lixo amontoa, o descaso com a higiene permanece. 

Culpa do poder público? Não! Falta de educação, ausência dos princípios básicos que recebemos de nossos pais.

Observo uma conhecida e famosa escadaria...

Tantos pés que sobem e descem, que reclamam, que se envaidecem por oportuno poder, que foram criados para pisar indiscriminadamente...

Degraus que conhecem tantos oportunistas, bajuladores, pedintes, inconformados com razão, com justificativas. Degraus que recebem insatisfeitos, porque sonhavam com alguma cadeira para sentar, nada fazer...

Degraus que agora conhecem novas pisadas que já deixaram rastros de grosseria, vinganças, deformidade de caráter em outro espaço e agora são novas pisadas nas escadarias, também tocadas por gente do bem, por pessoas que anseiam pelo que lhe devem.

Degraus que devem e precisam ser liberados para os cidadãos...

Vou andando... andando.

Passo por corredores de um espaço aqui de minha aldeia tão querida, que me dão a dimensão do caos, do desrespeito e do visível (e, por conveniência, se torna invisível) que é a saúde em nosso país.

Entro num túnel que me diz realmente o que são carências.

Corredores que me fazem refletir mais ainda sobre a degradação que dizima qualquer olhar e sentir.

Andei tanto.

Já é noite.

Vejo pessoas também necessitadas de cuidados especiais. Pessoas que estão esquecidas e  deixadas à deriva por quem tinha a obrigação de dar estrutura para atendê-las.

Minoria elitizada que deveria direcionar os olhares para os hospitais, para os médicos que fazem milagres e rotineiramente caminham na contra mão e são vitimas da sujeira nacional.

Pelos corredores observo o desencanto e as dores físicas paridos pela crueldade de uma pequena elite necrosada que desvia, deposita em outros cofres, que rouba medicamentos, que não repassa o devido a quem teve a coragem de construir (e também ganhar, por que não, se trabalham?) e que sonham com ambientes dignos para praticarem o legado de Hipócrates.

Vejo seres humanos desrespeitados pois os “podres poderes” (licença, Caetano!) que deveriam agir e respaldar quem constrói esses espaços - estão impotentes e ficam à míngua - são omissos porque estão ocupados com a realização pessoal e de seus comparsas.

Leitos nus, corpos doentes, precariedade, degradação humana...

Por isso entoo um canto triste.

Entoo um canto triste, sim...

Observo o meu porto, meu chão existencial .

Um porto que me ensinou tantas coisas e esclareceu ao meu coração a vantagem de se ser verdadeira, de abraçar atitudes dignas e não soltá-las nunca mais.

Um porto que me deu âncoras afetivas eternas e me amparam.

Meu espaço, meu berço de tantos crescimentos e de inúmeras alegrias, meu porto que já vivenciou mágoas-amarguras- dores-tristezas, as raízes que a vida fortalece para se crer mais na Energia presenciando as viagens intransferíveis à matéria...

Entoo um canto que é pranto meu...

Triste, vejo-me neste porto tão amado. Tanto movimento, tantas contradições, tanta ausência!

Nada mudou, nada transparece o gesto apaziguador da transmutação, porque, agora tudo é um caos.

Como reencontrar o meu porto querido?

Aqui estou neste lugar que me deu e confirma alicerces vitais e canto um pranto todo meu porque as horas pedem urgência para a vida prosseguir e as vidas que estão na aldeia precisam viver em paz .

Como encontrar a paisagem natural, tão simples e, ao mesmo tempo, tão rica que me deu argumentos de sobrevivência e crença no que preservo em mim, até hoje?

Como acordar as pessoas que vivem neste porto e não abrem os olhos para o horizonte, que é sábio e, sob símbolos, mostra a divina tarefa de cada uma?

Entoo um canto triste, um pranto todo meu, porque a emoção não é hipócrita e não se deixa fingir que está tudo bem.

Meu canto é feito de lágrimas e dores. 

Meu canto é regido pelas atitudes que, andando pelos calçadões sujos pela falta de educação de quem aqui vive, constato, não compreendo e sinto repulsa.

Entoo um canto que é pranto meu...

Ele foi criado pela maldade dos que fazem com quem sempre deu as boas vindas, para quem direcionou os caminhos de todos que aqui chegaram e devastam tudo que receberam por mãos abertas ao amor.

Meu canto é triste porque estão calando os timoneiros do meu porto, impedindo-os de viver e bloqueando as suas vidas que anseiam descansar, porque agora deveria ser  o tempo da tranquilidade, das ondas leves, das doces brisas e não é...

Vejo o meu porto tão deteriorado e sinto tristeza, porque, FAXINEIRA DE ILUSÕES, tenho a missão de mostrar não só a beleza que é a vida limpa, livre das amarras da irresponsabilidade, do desconhecimento de dever mas, também, a transparência de reconhecimentos e sentimentos que enchem a alma de prazer.

Sou Faxineira de Ilusões e canto um canto triste.

Sou Faxineira e choro pelas dores que os príncipes do porto estão sentindo, porque já não suportam presenciar a ruína de suas construções e de seus planos que afundaram nas tempestades pela incompreensão e pela ausência de visão e responsabilidade de seus comandados.

Por isso entoo um canto triste que é pranto meu.

A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, poeta e cronista no sul da Bahia