A Faxineira de Ilusões e a chuva
A chuva chega, branda, com o seu mistério, dizendo de presença.
A Faxineira de Ilusões observa-a da varanda chegando ao chão...
A chuva cai e finaliza a sua missão, criando aquele bonito elo de abraçar, misturar, interligar movimentos de rios que se encontrarão e serão mar mais adiante... Pensativa, a sonhadora vê a natureza dando as suas lições e pensa como seria fácil para os homens, que têm alma, emoções e uma mente fantástica, fazerem o mesmo...abraçar, misturar desejos, corpos, sentimentos, idéias, interligar pensamentos e fazer movimentos para encontrar plenitude de vida e de amor.
A chuva traz o seu mistério, passando em nossas casas e nossos espíritos , esfriando todos os ânimos e almas que acreditam no amor e na paixão.
Quanta utopia! Quem crê no amor não vê máscaras na face de seu objeto de desejo e sentimento, nem enxerga dissimulação em cada gesto afetivo ou familiar , magoando a quem não merece...
Quantos sonhos com asas feitas com a cera que enganou Ícaro, o sonhador que acreditava na possibilidade de voar... Quanto desconhecimento do poder do sol, que não vê nada nem ninguém que queira descansar...
A chuva traz a melancolia, irmã faceira da dor, e, com elas, as lembranças malditas do desrespeito e desamor.
Quem gosta não desafia o seu objeto de afeição a olhar o espelho- virtual reflexo que não deixa de ser real, e comparar-se com alguém especial.
Por que não esquecer as palavras ditas sob a bênção da exaltação, de estímulos etílicos e também da sobriedade?
Por que a tristeza no meu olhar-de-quem-não-via-mais-nada, que aprendeu a vislumbrar a esperança e agora torna a quedar ?
Por que a descrença retorna à sua casa – a minha alma! - eterno santuário de tantas dores maceradas, de tantos pedidos sufocados e de mágoas que não saem do coração?
A chuva modifica o meu pensamento de sonhadora e amarga Faxineira... Eu, uma faxineira simples que só quer viver e, também sonhar.
O agora não traduz mais bonança tampouco alegria de ver o preenchimento de vida na natureza ou nas pessoas...Reflete a aridez de minha vida que vaga por entre mundos não-visualizados e, insatisfeita, busca explicações para o não-ser.
Por que essa tristeza retorna ao meu olhar de quem voltava a crer?
A chuva cai baixinho disfarçando a chegada da depressão ( ?!)que abraça a minha vida com ânsia e vontade de ficar eternizada...
Por que o aplauso pela destruição dos sentimentos, esperanças e encantos está buscando sempre aconchego em minha essência ?
Serão deuses que apontam a sua ira para o meu coração e impunham armas divinizadas em direção certeira ao meu sentimento?
Não posso nem devo acreditar.... Conheço habitantes de Vênus... Visito Centaurus ,com assiduidade, brinco com a Ursa Maior...
A chuva insiste em abrir o espaço do discernimento - que os meus sentidos teimosos não querem perceber - através de cada gota (ou lágrimas dos anjos? ) que cai .
Chuva... chuva!
Este penetrante silêncio que me angustia, só é violado pelo barulho da natureza que lamenta mais uma perda.
Perda de quem ou de quê?
Este silêncio me diz muitas coisas...Ele é companheiro da nostalgia , paliativo para perdedores e desamados que se agarram a iludidas recordações, como um náufrago desesperado à tábua de salvação - intensa , presente e enraigada no profundo sentimento de solidão que me acompanha. Este silêncio é acalanto para adormecer as belas vontades de amor que não possuem a varinha mágica e que pedem tão pouco, como uma moedinha na fonte dos desejos, apenas um desejo realizado.
A chuva é presença não permitindo que eu, Faxineira de ilusões, varra os meus temores e possa sonhar com a possibilidade de, com o pensamento, preencher as lacunas expostas pelo destino, insistentes, insuportáveis vácuos que gritam a vontade de realizar, pelo menos um só querer.
Ela simboliza a misteriosa trajetória de limpar os prantos escondidos, fraturar as mãos abertas, dilacerar os braços estendidos, execrar todos os sonhos, amontoando-os ao chão, como um recado à enluarada Faxineira que tinha esperanças em abraçar as ilusões, a dizer que a sua função é arrastá-las, escondê-las e amaldiçoá-las.
A chuva chegou com o seu mistério! E eu, Faxineira de Ilusões continuo a varrer os meus sonhos...
A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, poeta e cronista no sul da Bahia