Observadores resignados, por Bruno Peron

Resgate para o futuro
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Nesse turbilhão de acontecimentos políticos e sociais, falta-nos vergonha na cara aos tupinicas. É constante em meus escritos a sugestão de abandono de nossa condição de meia-cidadania e o apelo a outro modelo de educação, que garanta futuro a crianças e jovens. Qualquer testemunha ocular e fidedigna do Brasil – assim menos preocupada com seus interesses próprios – concordaria com minha visão de que bichos bons estão engaiolados e bichos ruins, soltos.

Os bons são nossos irmãos menores expulsos de seu território, capturados pela caça, adestrados em cativeiro, atropelados em rodovias e massacrados por indústrias. Os ruins, por sua vez, são os exemplares tupinicas dessa civilização que, apesar de haver acolhido muitos imigrantes e realizado miscigenação, é atrasada e retrógrada. Há pouco no Brasil que funcione bem e condiga com justiça econômica e social.

Habitualmente, problemas de aspecto cultural e educativo são mais angustiantes e duradouros que os de conteúdo político e social. Estou pensando em como converter dezenas de milhões de meio-cidadãos tupinicas em seres civilizados, e conhecedores de seus deveres diante da sociedade e dos direitos dos outros. Porém, o cenário de greve em dezenas de universidades públicas no momento em que o governo deve reduzir despesas mostra que sindicatos extrapolam seu papel diante da fragilidade pública (entenda-se fraqueza de todos os tupinicas).

Noutros momentos, argumentei que investimentos em ensino superior estão longe de resolver o problema educativo no Brasil. Pior, agravam-no e aumentam a brecha entre meio-cidadãos e supercidadãos. Os primeiros sofrem de críticas pesadas quando seus familiares recebem bolsas míseras disso e daquilo, mas nada se fala contra os filhos de abastados que estudam em universidades públicas custeados por dinheiro que deveria reduzir os desequilíbrios sociais! Menos ainda da evasão de recursos pelo Programa Ciência Sem Fronteiras, que manda ao exterior milhares de estudantes que nem português falam bem!

Não diferente disso e, a meu ver, moradores de um mundo de fantasia são os funcionários públicos de luxo no Brasil. É verdade que muitos deles são merecedores de condições de vida melhores pelo tanto que estudaram e prepararam-se. Mas, infelizmente, os profissionais mais valorizados no Brasil em termos de salários e benefícios costumam ser os que puxam sua renda de alguma teta do Estado, esse paizão cujo papel é mal compreendido. Daí que a carga tributária sobe para manter os privilegiados e onerar os que mais contribuem com seu labor para o país: trabalhadores que ganham mil reais mensais e empreendedores. Há que aceitar o diagnóstico de que o Brasil não é um país acolhedor de empreendedorismo e investimentos, já que o Estado precisa tirar dinheiro de algum lugar para manter uma classe de privilegiados.

No entanto, está claro que tais privilegiados não soltarão o osso por vontade própria. Para esse fim, é necessária uma revolução social mais intensa que o aumento de violência que jornalistas deleitam-se em mostrar: arrastões, “rolezinhos”, assaltos, estouros de caixas eletrônicos, etc. Espero que as gerações mais recentes e jovens não achem natural todo esse descalabro do Brasil já prognosticado como “coração do mundo”, ou apenas uma paisagem social a desfrute de observadores resignados. Comecemos a puxar o osso dos cães raivosos e esfarelá-lo para cobrir os rombos da miséria e da injustiça.

Toda essa relação egoísta entre meio-cidadãos e supercidadãos, portanto, deverá substituir-se por um calor fraterno em que os seres que se proliferam neste país retrógrado façam uma revisão de consciência e deveres. Certamente, pode-se cobrar muito de quem tem responsabilidades maiores com coletividades e recursos públicos. Porém, há que ampliar as fronteiras de nossas capacidades e obrigações por limitadas e menores que elas pareçam.

Portanto, é mais difícil cobrar menos e fazer mais. Tal atitude requer uma postura mais ativa de aspirantes a cidadãos, já que de meio-cidadãos esperamos que culpem de seus desatinos aos outros. O Brasil deverá ter um recomeço, uma fundação nova, um re-“descobrimento”.

O conteúdo deste artigo não reflete necessariamente a opinião deste site.

O autor Bruno Peron  é escritor e analista de Relações Internacionais, professor de idiomas (português e Inglês) e Voluntário de Organizações SEM Nadadeiras lucrativos.