A Câmara, o preconceito, a estátua de Sapho e o veto

Estátua de Sapho e o seu significado
Arquivo/Google/Imagem Ilustrativa

O prédio da Câmara de Vereadores de Ilhéus fica localizado na praça JJ Seabra. Nela, uma estátua em mármore carrara embeleza a praça frequentada por corretores, taxistas e aposentados. Trazida em um navio, no primeiro governo do prefeito Mário Pessoa (1924-1928), a estátua foi escolhida para compor o cenário da praça, certamente por sua beleza. Jamais pelo seu significado.

A estátua de Sapho é tida pelo movimento gay, como uma das raras peças em praça pública do Brasil, que homenageia a liberdade sexual.

Sapho foi uma poetisa grega que morava na ilha de Lesbos e viveu entre os séculos VII e VI a.C. Pelo que se sabe, foi a primeira mulher que lutou por direitos iguais entre o homem e a mulher, numa Grécia machista, cuja democracia só privilegiava os homens que se dedicavam ao pensar. A poetisa cultivava a lírica amorosa, de toque erótico, criou a chamada estrofe sáfica, composta de três decassílabos e um pentassílabo, e Platão chamou-a de “a décima musa”, porque já havia nove musas, representativa das artes liberais.

Por ironia, é diante deste cenário, que a Câmara de Ilhéus se reune toda semana. Dias atrás, esta mesma Câmara promoveu uma sessão de preconceito e de discriminação. Não se permitiu aprovar a promoção de igualdade de gênero. Pior ainda: retirou o conteúdo deste debate do Plano Municipal de Educação, por achar que trata-se de um material que trabalha contra os alicerces da família. Jogou para debaixo do tapete o combate ao preconceito, à intolerância e informações como a que Ilhéus é 41a na lista nacional de homicídios contra as mulheres. Imagina contra os homossexuais. A Câmara de Ilhéus não trabalha pela sociedade que diz representar, em nome de princípios religiosos ou morais.

Ontem foi restabelecida a normalidade. Prevaleceu o bom senso. Mais que isso: o respeito à liberdade de escolha, o combate à discriminação, a luta pela igualdade de direitos. Com a sua decisão de vetar a posição da Câmara e manter as questões de gênero no Plano Municipal de Educação, o prefeito Jabes Ribeiro manda um recado direto aos vereadores: eles não podem transformar Ilhéus em um território de preconceito e discriminação em nome de uma fé ou de qualquer outra coisa.

Talvez a grande maioria deles sequer saiba o significado que tenha aquela estátua por onde passam nos dias de sessão ou quando precisam ir à Prefeitura com sua lista de pedidos. Talvez quase nenhum saiba a luta dos movimentos sociais por todo o mundo pelo fim do preconceito e pelo combate à homofobia. Talvez quase nenhum saiba que a opção sexual e o debate sobre ela sejam muito menos vergonhoso do que, por exemplo, o famoso Caso das Cinquentinhas, ou as intermináveis e inconclusivas reformas do prédio do Poder Legislativo, de onde, se bem olhado, podem enxergar Sapho "mandando silenciosamente o seu recado de cidadania e de respeito às diferenças".

Isso sim é que é uma vergonha moral.