´Em tempo de guerra eu estaria morto´, diz soldado condenado a 6 meses de prisão

Soldado Augusto Júnior
Arquivo Pessoal

O soldado Augusto Leite Júnior foi condenado a 6 meses de prisão pela Justiça Militar por ter liderado o motim da PM em Ilhéus, em fevereiro de 2012. A condenação é de primeira instância. O soldado foi a julgamento na quinta-feira, em Salvador, e acabou condenado por unanimidade. Augusto Júnior concedeu uma entrevista exclusiva hoje à tarde ao Jornal Bahia Online. Falou sobre a condenação, o movimento grevista da Polícia Militar na Bahia e disse que é vítima de absurdos processuais que resultaram em sua condenação.

Nesta polêmica entrevista concedida ao editor do JBO, jornalista Maurício Maron, Augusto Júnior revela: "Fiquei aliviado por não estamos em tempo de guerra, caso contrário, eu poderia estar morto, já que a pena de morte é a máxima em tempos de guerra". O soldado disse que vai às últimas instâncias para provar a sua inocência e vai pedir a nulidade do ato jurídico.

Abaixo, a corajosa e mais completa entrevista concedida pelo policial a um veículo de comunicação. Imperdível.

 

Quais os argumentos usados para a sua condenação?

Os mais absurdos possíveis. A defensora da lei, que deveria zelar também pela legalidade processual, chegou a insinuar nas suas alegações finais que pelo simples motivo de eu responder a outro processo na 2º Vara Crime em Salvador, também em decorrência da greve de 2012, seria um elemento de alta periculosidade. Outro Absurdo da “douta” promotora foi alegar que por eu ter invocado o direito constitucional de ficar calado, estaria assinando uma nota de culpa. O mais absurdo foi ela pedir a minha condenação a pena máxima. Fiquei aliviado por não estamos em tempo de guerra, caso contrário, eu poderia estar morto, já que a pena de morte é a máxima em tempos de guerra.   

A maioria dos líderes da greve é associada à Aspra, que comandou o motim de 2012. Trata-se de uma perseguição, na sua opinião?

Antes de responder, se faz necessário esclarecer que não houve motim durante aquele movimento. Até porque o motim é um crime previsto no obsoleto Código Penal Militar, no artigo 149 que, a grosso modo, seria a tentativa ilegal de um grupo militar para assumir o comando ou derrubar a autoridade militar. Essas não eram as nossas intenções. Não resta dúvida que as lideranças da ASPRA são perseguidas, basta fazer uma digressão na nossa história recente. Nosso coordenador Geral, o Soldado Prisco, foi preso durante o movimento, em uma penitenciária com presos comuns, incomunicável por mais de 15 dias e mais de um mês sem que o Ministério Público oferecesse denúncia contra ele. O Código de Processo Penal, no artigo 46, fala que esse prazo é de 5 dias, se o “réu” estiver preso.  Ainda hoje, ele tem uma conta bancária bloqueada pela justiça. A Justiça lacrou a nossa sede em Salvador, jogou todos os diretores na prisão, como os Soldados Josafá, Ivan Leite e eu, além dos Sargentos Vinícius e Athaide. O Governo do Estado confiscou os nossos recursos bancários, cortou ilegalmente o nosso desconto em folha, submeteu os policiais a perseguições após o movimento e mais recentemente formos surpreendidos por uma ação absurda do Ministério Público Federal na qual nos cobra uma multa de quase 16 milhões e o pedido de dissolução da ASPRA, além é claro, dessa minha condenação que se deu em decorrência dos desdobramentos do movimento de 2012.

"A defensora da lei, que deveria zelar também pela legalidade processual, chegou a insinuar nas suas alegações finais que pelo simples motivo de eu responder a outro processo na 2º Vara Crime em Salvador, também em decorrência da greve de 2012, seria um elemento de alta periculosidade."

Isso é perseguição?

As pessoas não entendem porque essas lideranças e essa entidade são tão perseguidas, mas a resposta é simples. Somos um grupo que luta pela dignidade dos policiais militares e por uma segurança melhor para o povo da Bahia, mas isso implica obrigatoriamente nas denúncias do sucateamento da Segurança Pública. Mais que isso, somos o único grupo que faz o contraponto a um projeto de poder hegemônico que há na Bahia.  

Como você pretende evitar a sua prisão de fato?

Por meio do excelente corpo jurídico da ASPRA. Vamos pedir a nulidade desse ato jurídico repleto de vício e dentro do processo com as provas matérias robustas que temos, além das provas testemunhais que o tribunal de exceção não permitiu que apresentássemos, vamos provar a nossa inocência, pois não há que se falar em deserção quando atestados médicos foram apresentados aos comandantes durante o pós greve. 

"Não resta dúvida que as lideranças da ASPRA são perseguidas, basta fazer uma digressão na nossa história recente."  

O senhor alega que foi condenado antes mesmo de se defender. Isso é muito grave. Se sente bode expiatório do governo?

Sim claro, eu me sinto um bode expiatório “aquele que carrega consigo todos os pecados e é deixado ao relento”, ou boi de piranha como dizem, “aquele que é sacrificado para salvar os outros”. O grande problema é que eles fazem isso para desencorajar os policiais e essa estratégia no tabuleiro de um jogo é equivocada, pois deixam os policiais indignados. eles sabem que a nossa luta é por eles e não querem nos ver sacrificados. Semana passada, no Maranhão, o governo prendeu uma grande liderança, o meu amigo pessoal Soldado Leite. A categoria se revoltou e em menos de uma semana fez uma greve que não durou três dias e culminou com um bom aumento salarial e a negociação de outras pautas. O Governo da Bahia poderia aprender com o ocorrido no Maranhão. Quanto a minha defesa, eles poderiam ao mesmo esperar o dia sete de maio, data que o juiz em Ilhéus marcou para ouvir as minhas testemunhas de defesa, mas nessa data a assembleia que teremos no dia 15 próximo já teria passado. No afã de me condenarem antes dessa data, rasgaram a Constituição Federal e a Lei Processual com princípios basilares como a presunção de inocência, ampla defesa, contraditório e jogaram no lixo.

Quais os caminhos que pretende tomar para evitar a condenação em outras instâncias?

Como já lhe disse vamos pedir a nulidade desse ato que é a condenação e com a retomada do processo com o seu curso normal dentro do que determina a lei e, respeitando os princípios constitucionais, apresentaremos provas testemunhais e atestados que foram entregues e protocolados durante o período em que ilegalmente fizeram o processo de deserção. É obvio que o interesse de me prejudicarem não nasceu agora e sim em 2012, quando mesmo de posse dos atestados apresentados na 68ª CIPM e encaminhados ao CPRS não foram considerados. Um flagrante desrespeito a autoridade médica.

"Eles fazem isso para desencorajar os policiais e essa estratégia no tabuleiro de um jogo é equivocada, pois deixam os policiais indignados. eles sabem que a nossa luta é por eles e não querem nos ver sacrificados."

A PM da Bahia ameaça novas paralisações. O senhor acha que isso é uma forma de intimidar líderes do movimento?

Sim, claro, e até a população percebe isso. Quando eu postei sobre essa minha condenação na minha página pessoal no facebook a repercussão negativa para o governo e para a justiça foi imediata. Vale lembrar que os policiais representados pela ASPRA e por outras entidades não querem paralisação, haja vista que é um sofrimento para todos, para as lideranças e familiares, para a população especialmente e também para o governo que se desgasta ainda mais é perde a pouca ou nenhuma popularidade que tem. A prova de que não queremos paralisar as atividades foi dada dia 19 passado, quando adiamos a assembleia para o dia 15 próximo, dando ao governo o tempo que ele pediu para atender as demandas que, desde 2012, vem sendo tratadas com o governo. Uma paralisação agora seria única e exclusiva responsabilidade ou irresponsabilidade do governo do estado com o povo da Bahia.

Quais os maiores problemas enfrentados hj nos quartéis da Bahia?

Muitos. Salários defasados em relação a outros estados mais pobres do que o nosso, jornada de trabalho exorbitante, falta de efetivo, ausência de um código de ética que ponha fim às punições lastreadas na vontade dos comandantes pura e simplesmente, ausência de um plano de carreira para as praças. Não admitimos mais que um soldado leve 25 anos para ser promovido a cabo, assim como não admitimos mais o Corpo de Bombeiros à reboque da PM sem autonomia financeira e administrativa, não admitimos mais que as nossas policiais femininas vão para a reserva (se aposentem) com nós os homens aos 30 anos de serviço, isso sem falar no tratamento indigno que alguns comandantes dão aos comandados, mas quanto a isso não temos muito o que fazer pois é uma questão de educação, de alteridade, empatia e respeito e isso não tem lei que mude, mas para esses casos as leis vigentes tem respostas a dar.

"Quando eu postei sobre essa minha condenação na minha página pessoal no facebook a repercussão negativa para o governo e para a justiça foi imediata."

O movimento na Bahia foi politizado?

Se eu entendi semanticamente o termo “politizado” usado na sua pergunta, eu posso dizer que sim, que o movimento foi politizado uma vez que todos os policiais que participaram dele estavam conscientes de seus direitos e deveres naquele momento. Prova disso é que esse movimento não teve policiais escondendo os rostos ou mesmo com armas em punho para intimidar quem quer que fosse. Por outro lado podemos dizer que a politização dos policiais aumentou muito após o movimento com a eleição de pessoas que abdicaram das suas vidas para lutar pelos direitos da coletividade, como o Soldado Prisco, maior liderança na Polícia Militar da Bahia e uma das principais do Brasil, podemos citar também o Sargento Vinícius, um guerreiro de Santo Antônio de Jesus com quem tive o prazer de dividir a cela e, aqui mais perto, a Vereadora Valéria Moraes que foi eleita com a maior votação da cidade de Itabuna quando os policiais deram um clara demonstração de maturidade política e de consciência de classe. Aqui em Ilhéus a categoria amadureceu muito e junto com a população de Ilhéus me deram uma expressiva votação com uma campanha modesta de recursos e decidida de última hora. E esse processo de amadurecimento tem continuado mesmo após a eleição pois os policiais que desconfiavam de mim e achavam que eu liderei aquele processo com interesse político hoje percebem, após a eleição, que o meu interesse maior é lutar pela garantia de direitos deles, muitos já me procuraram falando estarem arrependidos em votar para outros candidatos que não representam a categoria e que se eu colocar meu nome à disposição novamente estarão comigo. Hoje eles começam a perceber que um mandado eletivo facilita o processo de interlocução com o governo, estão aos poucos descobrindo a importância do empoderamento de um policial militar comprometido com a luta dos trabalhadores da área de Segurança.   

Quais as chances de a PM voltar a parar no estado?

Todas! Como eu disse em outra pergunta, não é a intenção da ASPRA e de cerca de 30 mil homens e mulheres pararem o estado. Reitero que esse é um processo que cria cicatrizes profundas, que traumatiza, traz prejuízos, mas agora a responsabilidade sobre o que pode vir a acontecer de positivo ou negativo para a população da Bahia só depende do governo. Há cerca de um ano atrás o Soldado Prisco e eu, juntamente com outras entidades sentamos com o governador e daquela reunião foi instituído um grupo de trabalho para elaborar projetos de lei para modernizar a PM. Vale lembrar que isso era um dos pontos de pauta do movimento de 2012. Todos os projetos de lei foram elaborados e encaminhados ao governo que ficou de dar um retorno e até agora não fez, demos prazo suficiente ao governo, até maior do que o que ele solicitou, então essa sua pergunta quem pode responder com mais propriedade é o Senhor Governador Jaques que tem a caneta. 

"Hoje eles (policiais) começam a perceber que um mandado eletivo facilita o processo de interlocução com o governo, estão aos poucos descobrindo a importância do empoderamento de um policial militar comprometido com a luta dos trabalhadores da área de Segurança."   

Quais as verdadeiras condições de trabalho hoje dos PMs no estado? e na região sul?

Não são muito diferentes das que já relacionamos em outra pergunta. Mas como aqui é a nossa área de atuação, nós acompanhamos mais de perto e existem situações absurdas aqui e de uma gravidade descomunal que não devem vir a o público sem antes serem levadas ao comandante do CPRS o Coronel Reis que tem sido solícito às nossas demandas. Inclusive no último domingo, eu formalizei um pedido de reunião com ele juntamente com as Diretorias Regionais da ASPRA na área de cobertura do seu comando, Ilhéus - eu, Itabuna – Sd. Rocha, Porto Seguro – Sd. Patrick , Eunápolis – Sd. Romildo e Vitória da Conquista – Sgt. Coqueiro e ele já sinalizou que essa semana, no mais tardar na próxima teremos essa reunião onde a ASPRA entregará relatórios ao comandante de visitas a várias unidades. Sabe o que ocorre com a PMBA? Existe muita demanda reprimida, pois nunca nenhuma associação fez esse trabalho que a ASPRA faz e agora com o crescimento da entidade e com a representatividade da mesma os policiais passaram a acreditar novamente em uma associação representativa e não apenas recreativa e hoje eles trazem demandas de anos por que de fato as encaminhamos e na sua maioria resolvemos, sem fazer milagres, tudo no seu tempo. Só para ilustrar o que estou falando, há alguns dias atrás fizemos um relatório sobre algumas situações de algumas companhias e encaminhamos aos devidos comandantes, com cópia para o Coronel Reis, mas tem uma situação que é tão gritante e tão urgente de atenção que eu apresentei a denúncia ao Ministério Público Estadual é sobre o Presídio Ariston Cardoso que não tem condições de alojar dignamente os policiais e muito menos de que eles prestem um serviço dignamente naquelas guaritas os policiais estão sendo submetidos a sérios risco de vida.  Na 72ª Companhia Independente em Itacaré também há sérios problemas, alguns foram levados ao conhecimento do Major Gilmar e logo foram resolvidos, outros pioraram significativamente, um desses problemas foi levado por mim ao Coronel Reis que foi a retirada injustificada do policiamento do distrito de Serra Grande na cidade de Uruçuca e em poucos dias o Coronel Reis resolveu e recolocou o policiamento na localidade. Reitero aqui a nossa confiança no comandante do CPRS de que as demais demandas que levaremos para ele na próxima reunião serão prontamente, a curto e médio prazo resolvidas. Estamos fazendo um trabalho que reflete diretamente na melhoria da segurança pública para as pessoas.