Desde que atuo em Ilhéus todos os gestores foram processados, diz promotora

Karina Gomes Cherubini
Juliana de Moura

 

Esta semana o jornal Diário de Ilhéus entrevistou a promotora Karina Gomes Cherubini, da 8ª Promotoria de Justiça. Ela atua desde julho de 2002 no município. Na Bahia já passou pelas cidades de Prado, Itamarajú e Barreiras. Nascida em Nova Prata, Rio Grande do Sul, Karina Cherubini afirma ter certeza de que o ilheense é um povo atuante e que muito mais do que em outras cidades onde trabalhou “pensa coletivamente em buscar o melhor para o bem comum”.

Impunidade, demora no trâmite para o julgamento de crimes praticados por gestores municipais, a PEC-37 e seus desdobramentos foram alguns dos pontos discutidos na entrevista que você confere a seguir.

Esta entrevista foi feita pela jornalista Juliana Moura e está sendo publicada simultaneamente pelo Diário de Ilhéus, em sua edição impressa deste final de semana, e pelo Jornal Bahia Online na estréia de uma parceria inédita entre os dois veículos de comunicação.

Aliás, diga-se de passagem, uma estréia e tanto. A entrevistada é uma das mulheres mais influentes do MP e tem atuação destacada e respeitada no sul da Bahia. Confira.

 
Numa entrevista concedida em 2003 a senhora afirmou que achava o povo de Ilhéus mais voltado para lutar por causas coletivas do que em algumas comarcas que a senhora já trabalhou. Após dez anos de atuação e de convivência com os problemas da população ilheense, qual é a sua análise atual?

Eu continuo com a mesma impressão. Mas, agora, com a convivência, eu passei a ter certeza disso. Em outras comarcas, eu presenciava as pessoas lutando por seus direitos individuais, questões que interessavam somente a uma única pessoa. Raramente eram direitos coletivos, exceto quando se tratava de poluição sonora. E quando eu cheguei a Ilhéus vi que as pessoas vinham até o Ministério Público reclamar sobre a falta de recolhimento do lixo, de iluminação, de calçamento, etc. As pessoas são mais politizadas e lutam por seus direitos. E depois que começamos a atuar juntos com os conselhos de controle social, então, essa primeira impressão de 2002 se consolidou.

Qual é o papel dos conselhos de controle social na atuação do Ministério Público? A senhora acha que seu poder deliberativo vem se fortalecendo ou eles ainda têm um longo caminho a percorrer?

Os conselhos têm seus altos e baixos. Depende da composição de seus membros. Da parte sociedade civil, ela é bem atuante, com pessoas engajadas. Já da parte da representação governamental ela é oscilante, já que há muitas mudanças nos titulares. Mas de uma forma geral os conselhos estão mostrando seu poder deliberativo. Eles trabalhariam muito melhor se tivessem mais estrutura, já que atuam muitas vezes com recursos próprios e até sem sede fixa. No momento em que as administrações públicas passarem a enxergar os conselhos como parceiros, eles vão avançar ainda mais. Hoje eles ainda são vistos como uma interferência na gestão pública.

Qual é o Papel do Ministério Público e de que forma ele tem contribuído para diminuir a impunidade relacionada às administrações públicas?

O papel essencial do Ministério Público é a defesa do regime democrático e dos direitos indisponíveis. Isso cria, às vezes, uma confusão com o trabalho da Defensoria Pública que pode cuidar de direitos disponíveis, individuais. O direito à vida, à educação, estando mais voltado para o coletivo é onde atua o Ministério Público. Muitas vezes pode atuar por uma pessoa, mas dentro de um contexto que vai resultar num benefício para um grupo de pessoas ou até para toda a sociedade. Na área da impunidade administrativa, nas questões que envolvem verbas federais – marcadamente verbas de educação e saúde – elas são apuradas pelo Ministério Público Federal. Na questão da impunidade há um complicador, sobretudo, na área penal. No caso de um agente que tenha praticado um crime e que tenha foro privilegiado, um promotor de Justiça não pode investigar. No caso da Bahia, a apuração é enviada para Salvador e o procurador geral do MP é o único que pode investigar. Enquanto o gestor estiver no cargo, a apuração pode demorar mais. Quando se torna ex-prefeito, a apuração retorna e volta a ser apurada pela promotoria, como aconteceu este ano, com um antigo gestor municipal. O procurador geral também utiliza em seu investigativo criminal o parecer do Tribunal de Contas e para apurar cada um dos fatos, leva-se muito tempo para coletar mais provas documentais. Outro fator é que há 417 municípios na Bahia para serem investigados pelo procurador geral. Esse ano ocorreu o contrário com o atual gestor, que possui ações criminais na Justiça, mas como passou a ter foro privilegiado, as ações retornaram para a procuradora geral de Justiça e muitas já começam a ser declaradas prescritas, devido ao tempo. A pena determinada pela Lei de Crimes de Responsabilidade é muito pequena e isso, infelizmente, facilita a impunidade.

Em sua opinião, a questão da impunidade está ligada à falta de leis mais específicas ou de mais pessoal para investigar os supostos crimes contra os cofres públicos?

Eu não vejo necessidade na mudança no teor da lei, mas sim no apenamento do crime. Temos vários disparates. Condutas que seriam mais insignificantes para a sociedade têm um apenamento muito maior do que muitos crimes praticados por colarinho branco. Em alguns casos, onde há desvio de verbas públicas para a educação, por exemplo, a pena é muito menor do que se comparado a crimes praticados por um cidadão comum. Quantos estudantes foram prejudicados? Quantas gerações foram lesadas? Com certeza se existissem mais pessoas apurando, os crimes seriam solucionados mais rapidamente, porém a pena é o principal. Em termos de apuração, o Ministério Público já tem uma certa defasagem, já que as contas que estão sendo investigadas pelo Tribunal de Contas atualmente são de 2011. E com isso já temos dois anos de atraso. É um trâmite legal. E quando as representações chegam ao Ministério Público já se passaram dois anos, dois anos e meio e ainda precisamos de mais tempo para terminar a investigação. Se quem estiver sendo investigado for o prefeito em exercício, ele evita mandar as provas, o que faz o processo de investigação demorar ainda mais.

Esta semana um protesto em frente à sede do Poder Executivo pediu mais respeito à saúde em Ilhéus. Na oportunidade, foi citado que um pedido de providência seria enviado ao Ministério Público para que fossem tomadas providências a respeito. A manifestação também foi uma forma de chamar atenção para a morte do jovem sindicalista Wagner Bastos, já que muitos afirmam que ele não recebeu a atenção devida por estar denunciando, por meio das redes sociais, o descaso e a falta de estrutura do Hospital Geral Luis Viana Filho. O uso das redes sociais facilita o trabalho do MP?

O uso das redes sociais e os meios de comunicação podem ajudar ao trabalho do Ministério Público, principalmente quando apontam para fatos com indicação dos meios probatórios. Igualmente, são de grande importância em auxílio a mobilizações sociais e para divulgação de fatos. No entanto, não substituem a formalização de petições públicas nem a representação do cidadão ao Ministério Público, que pode ser ofertada por escrito ou mediante comparecimento à instituição, oportunidade em que é colhido seu termo de declarações. É bom frisar que uma investigação do Ministério Público ou dos outros órgãos que atuam nessa linha de apuração não tem a velocidade das redes sociais nem pode se contentar com comentários, ainda mais genéricos, como, por exemplo, “a licitação foi fraudulenta”, “houve desvio de recursos”, “Fulano de Tal é corrupto”. Esses comentários não são suficientes como meios de prova. Além disso, é preciso cautela na credibilidade total ao que é dito nas redes sociais, pois há casos de utilização de perfis falsos, fazendo-se passar por outras pessoas.

O Ministério Público atua em áreas como saúde e educação, fazendo um trabalho in loco, visando melhores condições de ensino para os estudantes e de vida, de uma forma geral, através do programa MP e os Objetivos do Milênio. A ação vai prosseguir? É possível fazer um balanço sobre o programa em Ilhéus?

O programa MP e os Objetivos do Milênio foi a prova que o Ministério Público precisava para verificar e presenciar, no caso específico da educação, situações de fraudes na área de licitação pública. Encaminhado o processo de licitação, documentalmente estava tudo legal, mas quando chegávamos na escola, víamos uma realidade totalmente diferente do que tínhamos que no processo licitatório. Infelizmente em Ilhéus, não houve muitos avanços nas áreas específicas do programa – saúde e educação – e o Ministério Público, juntamente com os órgãos do controle social, vai voltar a realizar essa fiscalização in loco. Um exemplo foi a escola Nossa Senhora das Neves, em Aritaguá, que devia ter sido reformada e não foi, entramos com uma ação. A Vara da Infância e da Juventude precisou determinar a interdição da escola para que a reforma fosse feita.

Uma série de manifestações está sendo promovida pelo MP em todo o país para abordar a PEC 37 – um projeto de lei que visa retirar o poder de investigação do Ministério Público e de uma série de outros órgãos. De que forma a senhora analisa essa proposta e o que acontece na prática se ela for aprovada.

A Pec 37 ela passa o poder de investigação exclusivamente para a polícia. Isso retira o poder de investigação não só do MP como de várias outras instituições como o Tribunal de Contas, a CGU, as CPIs, que se antes a população reclamava que em muitos os casos acaba em pizza, caso essa PEC seja aprovada, nem vão mais ter trabalho para fazer CPIs na área criminal. Então os próprios deputados terão sua atuação restrita. Na área de improbidade, a atuação do MP precisa ser elogiada, pois o MP tem total autonomia, que nem sempre a polícia tem. Com a aprovação da PEC, essa impunidade será duas, três vezes maior. No caso específico de Ilhéus, todos os processos por improbidade foram aforados sem a necessidade de inquérito policial. Eu acredito que se essa PEC passar (for aprovada), esse vai ser mais um caso em que teremos vergonha de morar no Brasil. Essa PEC é uma forma de defesa dos próprios deputados que podem ser alvos, se já não são, de investigações.

Esta semana, pela primeira vez Ilhéus teve um ex-prefeito condenado por improbidade administrativa. A população pode passar a ter mais esperança a respeito da punição dos outros gestores ou ainda vai demorar muito para termos novas notícias? Como se dá esse processo e quais gestores municipais respondem por processos na justiça?

No início, nós divulgávamos mais o ajuizamento de ações pelo Ministério Público. Com o passar do tempo, como o resultado das ações costumava demorar muito e aquilo ia me aborrecendo, eu deixei de noticiar da forma constante e até devida, a não ser as mais escandalosas. Isso pode ter levado a impressão de que as ações não estavam sendo aforadas. Desde que atuo em Ilhéus todos os gestores foram processados. O ex-prefeito Antônio Olímpio possui 12 ações civis públicas, não conheço nenhuma ação penal contra ele. O atual prefeito (Jabes Ribeiro), na última contagem responde a mais de 33 ações, tanto do Ministério Público quanto do próprio município contra ele. Valderico dos Reis responde a 31 ações civis de improbidade aforadas pelo MP e mais ações penais. Ele foi condenado criminalmente, mas a pena não chega a quatro anos, e por isso ele continua solto. Ele também tem vários inquéritos em tramitação. É bom salientar que a quantidade de processos não determina a qualidade da gestão. No caso do prefeito Jabes Ribeiro, em sua primeira gestão, havia uma Câmara de Vereadores mais combativa que encaminhava constantemente representações contra ele. Nas outras gestões já não houve essa participação da Câmara. No caso de Newton Lima, foram muitas as ações. Há ainda muitas investigações a serem concluídas, na dependência de documentos a serem encaminhados pela Prefeitura. Havia atraso no encaminhamento da documentação, pois como ele era gestor, não ia enviar provas contra si. Na última contagem havia em torno de 173. Já no caso de Valderico, vários documentos foram queimados o que dificultou ainda mais o trabalho investigativo do MP.